Familia Mota - A religião da Idiotice

15-06-2024

Pensei muitas vezes em escrever esta "carta aberta", mas também pensei muitas vezes em não a escrever.

Mas a realidade é que há sentimentos que chega a um certo ponto em que já os custa a enterrar, custa a fazer de cega, surda e muda, já custa pôr um sorriso na cara e ser para todos, a menina do sorriso fácil.

Errar todos o fazemos, e não estou aqui para falar dos erros e das falhas de outro, nem das minhas, apesar de as ter.

Mas estou "aqui" para falar da que eu não tenho.

Eu não falho, desde pequena, em achar/sentir que não pertenço. E não digo isto por nem me chamarem pelo nome apesar de saberem que não é "kikas ou Catarina" mas sim "Daniela", até porque sabiam, visto que em pequenina era a "Daniela Só", e tinha uma certa verdade nesse nome "Só" porque realmente era como me sentia naquela casa, mesmo rodeada de gente.

Também não o digo por ter deixado de receber prendas no Natal .. nos meus anos .. e outras ocasiões em que os restantes eram merecedores menos eu .. talvez por ter os meus pais separados já, uma vez que pra eles aos olhos de Deus isso é pecado (apesar de pecarem mais e pior), ou por estar a crescer e ser a neta do meio, já não ser a mais nova e por não ser a mais velha ou afilhada.

Até porque não me importava que fossem meias ou cobertores como já tinha sido (em vez das prendas que os restantes recebiam), pois era sinal que se lembravam de mim.

Também não digo isto por ser a única a quem não foram ao crisma, cuja última fotografia com o patriarca da família foi provavelmente no batizado da mais caçula e porque o fotógrafo pediu.

Nem digo isto por ser a única que conta pelos dedos de uma mão, as vezes que teve o "privilégio" de aparecer nas redes do patriarca.

Também não o digo por ouvir, desde os meus 12 anos, bocas foleiras sobre aqueles que me trouxeram ao mundo, ou sobre a minha vida, ou sobre o que vestia e não vestia, ou sobre se ia ou não á missa (mesmo que eles só fossem pra bater com a mão no peito).

Não esquecendo que fui catequista e durante todos os meus anos na catequese, sempre preferiram ir ver os restantes netos á outra igreja do que fazer a exceção, 1x por mês que fosse, para ver literalmente "a outra".

Também não o digo por ser a única que alguma vez ajudou a fazer o que quer que seja, seja em casa quando era preciso (não que fossem muitas vezes, mas enfim, quanto mais não seja levantar a louça da mesa e colocar a comida na mesa), ou no negócio, onde ajudo desde que me lembro de ser gente.

E também não o digo, por para além de estar sempre disponível, ter sido a única a trabalhar até agora na vida (só 2 temos idade para isso), porque por vontade própria fui aos 17 trabalhar e estudar, e com 22, trabalho, estágio e estudo, e ouço respostas irónicas como "uiii tu é que trabalhas, até deve ser um cheiro a suor a tua beira" (visto que os restantes estudam e dormem) daqueles que dão valor a tudo, menos ao que devem.

Aqueles que não me deram os parabéns por todos os meus grandes feitos, até poderiam não ser grande coisa pra eles (embora o esforço mínimo dos outros seja) mas era pra mim. Podiam ao menos ou dizer algo fingido mas positivo ou estarem calados.

Mas a opção foi sempre a outra, ao falar não valorizar, ao falar menosprezar.

Não importa se acabaste o secundário, se entraste para a faculdade, se tiraste a carta, se arranjaste outro trabalho, se acabaste o curso.

Nada importa … e mesmo assim no máximo ao pedir para escreverem nas fitas, consigo notar o orgulho fingido ou esforçado pra escrever 4 linhas de cerca de 3 palavras cada.

Noutros nem noto, pois nem ao trabalho de ditar uma pequena mensagem se dão, "devido á idade", foi o que me foi dito.

No entanto, apenas na minha, já que na semana a seguir para escrever noutro já estavam mais inspirados para escrever mais do que 4 linhas com mais de 3 palavras em cada, e quem era velha para escrever, numa semana rejuvenesceu e já conseguia pensar em algo.

São diferenças, eu sou diferente, mesmo sendo igual.

E, se digo que acho/sinto que não pertenço, não digo isso SÓ pelos motivos que referi a cima, mas sim porque com 8 e 9 anos diziam que era "ciúmes", com 10 e 11 "ciúmes", com 12 "ciúmes" ainda por cima nem os pais juntos tinha .. com 13,14,15 "ciúmes" .. com 17 já devia ter mais maturidade, já não tinha idade pra "ciúmes" diziam eles, com 18 comecei a engolir por muito que as vezes fosse difícil (mas quem ouvia a minha frustração não eram eles, eram os meus pais), com 19, 20 e 21 tentava fazer de conta, uma vez que já vem desde que me lembro estas situações.. aos 22, acabei o curso, e com essa etapa da minha vida concluída, e com orgulho na pessoa que eu sou e em tudo o que faço por mim mesma, decidi enterrar o que não me interessa, o que não me faz feliz, o que me desvaloriza, o que acima de tudo nada me acrescenta.

Aos 22 digo NÃO são ciúmes, talvez em pequena fosse (não por falta de motivos evidentemente), mas não são ciúmes, é apenas a realidade notória pra mim e para os de fora que olham com atenção.

É a realidade de eu sempre ter sido tratada de forma diferente, principalmente depois do divórcio.

É a realidade de ser a ovelha negra da família, sem saber os motivos, e tendo sempre me esforçado para ter ao menos uma pinga de valor aos seus olhos.

Porque se tenho, nunca me disseram isso nem nunca me fizeram sentir-lo.

Obrigada por me fazerem crescer da maneira dura em relação á família, por perceber de onde o meu pai vem e talvez o motivo de muitas das suas cicatrizes emocionais, e por me fazerem aprender a dar valor apenas aqueles que me dão valor, estima e acima de tudo AMOR.

Bem como a valorizar-me a mim, a olhar mais por mim. Independente de vocês existirem na minha vida ou não.

O tanto que ficou por dizer e contar fica comigo, irá sempre ficar comigo, mas não lhe dou o poder de me magoar.

Obrigada pai, por cresceres para ser diferente, por caíres longe da tua árvore.


Amém 

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